sábado, 7 de abril de 2018

Filmes Perdidos Portugueses: CHANTECLER ATRAIÇOADO (1910, Júlio Costa)



Em 1910, a Empreza Cinematographica Ideal estreava os seus novos estúdios — um "magnífico imóvel de paredes e tecto envidraçados, como convinha e era de regra ao tempo, já que a luz solar era de capital importância"1 sito à Rua Marquês de Ponte de Lima, em Lisboa, com cinquenta metros de comprimento e quinze de altura — com a produção de CHANTECLER ATRAIÇOADO.

Descrito, por materiais de divulgação da época, como uma comédia sentimental, os detalhes que sobraram até aos nossos dias sobre CHANTECLER ATRAIÇOADO são profundamente escassos. Duas certezas, no entanto, subsistem: a unanimidade de se tratar do primeiro título português de ficção especificamente rodado para exibição em sala de cinema, e de que era protagonizada por António Cardoso, actor cómico que conheceu particular fama na altura.

Pelo estatuto de que o seu protagonista gozava no início dos anos 10 do passado século, coloca-se a hipótese de o público ter acolhido favoravelmente CHANTECLER ATRAIÇOADO. A esse propósito, são vários os registos históricos que destacam o talento humorístico de António Cardoso, também apelidado de "Cardoso do Ginásio", assim como o "seu feitio bonacheirão e a sua enorme simpatia"2.



Neste contexto, uma das fontes mais interessantes para observar o impacto de António Cardoso, junto do público português, vem do modo como as notícias do seu falecimento, em 1917, foram recebidas entre as diversas camadas sociais da população. Xico Braz3, na sua obra Postaes da Guerra4, não poupou palavras para comentar o desaparecimento de "Cardoso do Ginásio":

«Uma das notícias tristes que vieram ter comigo ao front, num destes dias chuvosos e aborrecidos, foi a que relatava ter morrido o Cardoso do Ginásio. Pobre artista! (...) Com toda a sua arte, a que ele se entregava com a religiosidade d'um crente, o Cardoso fazia rir até rebentar as ilhargas. É que ele era um artista completo. Apesar da sua mediana ilustração, ele era, dos artistas cómicos — o mais natural e o mais consciencioso. Não apalhaçava, não metia um dito da sua lavra, nem deturpava o sentido da frase, para conseguir a piada. Ele representava com arte e probidade. Mais nada. (...) Mas lá se foi o bom do Cardoso, que toda a vida nos fez rir. São assim os artistas cómicos. Só fazem chorar uma vez: é quando morrem.»

De CHANTECLER ATRAIÇOADO, a curta-metragem que assinalou o arranque da histórica Empreza Cinematographica Ideal, não se conhece o paradeiro de qualquer material fílmico.

Notas:
1 in Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949, de Félix Ribeiro (1983, Cinemateca Portuguesa).
2 in No palco da saudade: António Cardoso, de Salvador Santos, publicado no blog Audiência.
3 Pseudónimo do escritor Artur de Matos.
4 Disponível no repositório da Biblioteca Nacional de Portugal.

Imagens:
1 Estúdio da Empreza Cinematographica Ideal. Imagem originalmente publicada in Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Português 1896-1949.
2 António Cardoso, ou o "Cardoso do Ginásio"; CinePT — Universidade da Beira Interior.

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